27 de mai. de 2006
Insensatez
....E, naquela manhã, ele pareceu mais louco do que nunca. Aprontou seu café, tomou seu costumeiro banho, calçou sapatos nos pés trocados, camisa sem botão, uma bermuda jovem, estilo surfistas, e saiu para trabalhar. Não fosse o fato de ele já estar aposentado há quatorze anos, até que isso poderia ser considerado um ato normal para a família, já acostumado com seus sumiços no meio do dia, o que ele chamava ´´ trabalho ``.
Sua mulher foi à loucura, mas ela só foi, e voltou. Ligou para parentes que não queriam se meter nos problemas. Por causa disso vários irmãos não se falavam. Antes faziam de tudo por ele, e quando começou os primeiros passos de possível loucura, alertaram-na, mas foi em vão. Jamais ela internaria o marido, o pai de seus dois amados filhos. E era humilhante a situação. Ele não merecia isso. O que os vizinhos diriam?
Dessa forma, os anos foram passando. Foi para não mostrar para vizinhos, por não ouvir parentes próximos e distantes, por não querer envergonhar os filhos, e não sofrer mais, que ela decidiu cuidar da loucura do amado. Ela havia prometido diante de Deus, naquela igrejinha do interior onde eles haviam nascidos, que não se separariam jamais, e seria até que a morte os separassem. Assim, foram abençoados pelo padre mais antigo da cidade.
Dois dias depois ele voltou para casa, disse que não sumiu, que apenas foi ao Vaticano visitar o novo Papa. E dessa vez, depois de cinqüenta e oito anos de casamento, sendo os últimos cinco de pequenos capítulos de insanidade, ela resolveu levá-lo a um hospital psiquiátrico. Talvez uma internação. Contra sua vontade, mas com boa aceitação do próprio, que desde sua chegada, só falava das aventura, e de sua última viagem.
Durante o percurso houve um congestionamento, e mudamos o caminho, ele percebeu, e nos indicou outro atalho, bem mais curto. Pensei se ele sabia aonde o estávamos levando. No limiar da loucura aquela era uma estrada sem volta. Por uns minutos calou-se. Contemplou uma moeda que trazia no bolso, e guardou-a. Perguntei-lhe se estava triste. Ele disse que não, e queria naquele momento uma sopa de tomate.
No Gramophone : ´´Guarde Nos Olhos``, Ivan Lins.
Boas Vindas à Keila, e Wescley
Escrito por Sergio Nasto,
às 09:06
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